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Dislexia - Histórico, Caracterizações e Proposições Atuais.

Dislexia de evolução é o termo com o qual tem sido designado um distúrbio específico de aprendizagem relacionado à aquisição da leitura e da escrita. Considerada como um problema de linguagem, a dislexia tem sido foco de pesquisas em diferentes especialidades da área médica; em psicologia e em educação, com o objetivo de uma compreensão sobre suas origens, possíveis comprometimentos para o seu portador e possibilidades de intervenção.

As primeiras referências à dislexia encontram-se no âmbito da medicina, no final do século XIX (DOYLE, 1996). Alguns profissionais passaram a questionar o porquê de certos sujeitos hábeis em diferentes atividades, com inteligência normal ou mesmo superior e com desenvolvimento dentro do esperado em situações do seu cotidiano, não conseguiam desenvolvimento normal ao iniciarem o aprendizado da leitura e escrita.

Inicialmente objeto de estudo de oftalmologistas, a dislexia passou o século XIX sendo investigada e diagnosticada dentro das diversas especialidades médicas, com foco na perspectiva biológica. A partir do século XX, se encontra uma visão mais abrangente voltada para a compreensão do distúrbio, que passa a ser visto como de origem multicausal. De algum modo, mesmo prevalecendo o enfoque nos aspectos biologicamente funcionais, há uma abertura para compreender essa síndrome em uma perspectiva mais abrangente, ao se agregar mais de um possível fator como causa do seu estabelecimento. Nesse sentido encontramos Ajuriaguerra (1984) que contribuiu, com seus estudos e reflexões, para uma compreensão mais ampla das implicações e singularidades presentes em um quadro de dislexia:

(...) a nossa experiência nos demonstra que não é possível encontrar explicações unicausais aplicáveis a todos os disléxicos em geral. Encontramos disléxicos com ou sem dificuldades de lateralização, com ou sem dificuldade espaço-temporais, com ou sem problemas emocionais. Todavia, cada uma dessas definições pode influir na organização léxica, e muito freqüentemente se trata de dificuldades conjuntas". (Disponível: Série ABD - Cadernos).

Nas pesquisas atuais que buscam conceituar a dislexia, verifica-se a concordância de alguns aspectos, entre eles, a origem genética do distúrbio, sendo, como diz Ajuriaguerra, entendida como uma síndrome composta por aspectos variados que podem implicar em alterações nos sentidos visual e auditivo; na lateralidade; na orientação espacial e na memória de curto prazo, segundo a singularidade de cada pessoa com dislexia em particular. Para Giacheti e Capelini:

O Distúrbio Específico de Leitura ou Dislexia do Desenvolvimento é definido como um distúrbio neurológico de origem congênita que acomete crianças com potencial intelectual normal, sem déficits sensoriais, com suposta instrução educacional apropriada, mas que não conseguem adquirir ou desempenhar satisfatoriamente a habilidade para a leitura e/ou escrita. (GIACHETI E CAPELLINI, 2000, p. 45).

Estudos indicam que as pessoas com dislexia apresentam acuidade visual e auditiva dentro dos padrões considerados normais. As alterações referentes a esses sentidos revelam-se, nessas pessoas, como um processamento diferenciado das informações que recebem do meio, com isso, o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita - que implicam na passagem dos grafemas (elaboração visual) para os fonemas (elaboração auditiva) - apresentam-se prejudicados. Para melhor explicitar essa questão, é possível recorrer à Fagundes:

A dificuldade dos disléxicos não está na audição ou no reconhecimento das formas gráficas, também não está na memorização dos nomes das letras. O que acontece com eles é que não conseguem, digamos assim, "traduzir" de forma adequada e imediata, as unidades mínimas da fala que são os fonemas, para os sinais gráficos convencionados como seus representantes. Falta-lhes presteza nesta "tradução". (FAGUNDES, 2002, p. 71)

Outro fator presente em estudos sobre a síndrome - a indicação da não dominância hemisférica cerebral - pode estar associado às dificuldades no estabelecimento da lateralidade o que também agrega transtornos a aprendizagens variadas que implicam a localização espacial, tanto de modo mais amplo como de forma mais restrita, como por exemplo, na utilização da folha, no momento da escrita.

Com relação à memória de curto prazo, é recorrente na literatura específica sobre a síndrome a referência de que em pessoas com dislexia essa função encontra-se prejudicada, o que torna mais trabalhoso o seu processo de compreensão e elaboração imediata na leitura de textos, entre outras dificuldades, implicando em agravamento dos demais aspectos citados:

Ao considerarmos que a memória de curto prazo é utilizada no momento da leitura para resgate e encadeamento dos conteúdos inscritos, esse pode ser um fator que contribui para a dificuldade da pessoa com dislexia em compreender textos. Na prática cotidiana pessoal e nos relatos dos que trabalham com essa população, verifica-se também a dificuldade das pessoas com dislexia na utilização desse tipo de memória, por exemplo, ao precisarem reter, por instantes, o número de um telefone, ou compreender uma instrução com grande número de pormenores. (IAK, 2004, p. 37)

As investigações sobre a dislexia revelam que o desenvolvimento de crianças portadoras desse distúrbio apresenta-se, geralmente, dentro do esperado até o momento em que tem início o seu processo de alfabetização. Embora não apresentem danos motores, déficits cognitivos ou patologias cerebrais, se observam dificuldades em maior ou menor intensidade na aprendizagem da leitura e escrita, o que, na continuidade, compromete de modo geral o seu desempenho escolar, podendo dar origem a transtornos emocionais.

O conjunto das dificuldades acima apresentadas, que se revelam como dificuldades de aprendizagem podem levar a criança com dislexia a ser vista como preguiçosa, imatura, desinteressada, entre outros adjetivos negativos. Encontramos em Frank (2003) uma recomendação:

É importante compreender que tudo demora mais para a criança com dislexia: escrever, ler, seguir direções, estudar. Ela tem de se empenhar mais do que seus colegas. Mesmo se usar todas as estratégias de cópia disponíveis, ainda vai demorar mais que a maioria das outras crianças para terminar sua lição. Uma tarefa simples como procurar um número na agenda de telefones, pode se tornar complicada para uma criança ou adulto com dislexia (...). (o disléxico) Não é pouco inteligente. O cérebro dele está trabalhando mais que o seu - ele só está levando mais tempo para obter as respostas (FRANK, 2003, p. 10).

Atualmente, para um diagnóstico de dislexia, se despreza a apresentação de indicadores isolados, já que muitos são considerados como parte do processo natural de maturação do indivíduo. A IDA (International Dyslexia Association) considera que só um diagnóstico multidisciplinar pode realmente indicar um quadro de dislexia em uma criança que esteja apresentando dificuldades, mesmo que específicas, de aprendizagem. Para a efetivação desse diagnóstico indica-se o envolvimento de profissionais de diferentes áreas da saúde: Psicologia, Fonoaudiologia, Oftalmologia e Neurologia que investigarão a ocorrência de indicadores pertinentes a cada área específica.

Em Psicologia o diagnóstico é entendido como de exclusão, no sentido de que a investigação buscará averiguar o potencial intelectual do indivíduo, o qual deverá se situar necessariamente a partir dos percentuais considerados como médios - com isso, se exclui a possibilidade da presença de déficits cognitivos. Estuda-se, também, a existência ou não de conteúdos emocionais que possam estar interferindo, de modo negativo, no processo de aprendizagem, além da investigação dos aspectos que se referem, de modo geral, ao desenvolvimento da pessoa. Os aspectos investigados pelo psicólogo serão associados aos dos profissionais das demais áreas citadas, com o objetivo de compor o diagnóstico, afirmativo ou não, sobre dislexia.

A dislexia, atualmente é compreendida como uma síndrome que não se apresenta de modo único, definido, em todos os sujeitos que são portadores desse transtorno. Entende-se que existem graus de dislexia, assim como, estabelecem-se classificações, entre elas a referida por Coll (1995) relativas às pesquisas de Boder e presentes em outro estudo nosso: dislexia disfonética: Relaciona-se aos aspectos auditivos. Dificuldades para estabelecer diferenciação na análise, síntese e discriminação de sons; dificuldades temporais referentes à percepção da sucessão e duração de sons. Trocas de fonemas e grafemas, alterações na ordem das letras e sílabas, omissões ou acréscimos, apresentando maior dificuldade com a escrita do que com a leitura. Observa-se também a substituição de palavras por sinônimos. Como esses sujeitos percebem as palavras de forma global podem efetuar trocas de palavras por outras semelhantes. (IAK, 2004, p. 41)

dislexia deseidética: Caracterizada por dificuldades visuais. Disfunção na percepção gestáltica, na análise e síntese e dificuldades espaciais relacionadas à percepção das direções, da localização espacial e das relações de distância. Essas condições teriam como conseqüência uma leitura silabada, dificuldade em estabelecer sínteses, aglutinação ou fragmentação de sílabas e/ou palavras, troca por equivalentes fonéticos, apresentando uma dificuldade maior para a leitura do que para a escrita. (idem)

dislexia mista: Reunião dos sintomas anteriores. (ibidem)

Vale ressaltar que para vários autores, entre eles Ellis (1995), é mais freqüente em um quadro de dislexia que as alterações descritas se apresentem de modo combinado, sendo mais comum a dislexia aqui denominada como mista.

Segundo a ABD (Associação Brasileira de Dislexia), pesquisas apontam para a ocorrência desse transtorno em aproximadamente 10% da população, esses dados estão em consonância com os resultados divulgados nos EUA e no Reino Unido, referentes às suas respectivas populações. Esse percentual aponta para a relevância de uma maior difusão sobre os estudos desenvolvidos sobre o tema, tendo em vista os transtornos que a síndrome ocasiona no cotidiano de seus portadores.

Embora a dislexia não seja vista hoje em dia como uma deficiência, ainda é possível ocorrer que os sujeitos com dificuldades de aprendizagem em geral possam ser incluídos na designação genérica para as incapacidades: a de deficiência, usada para nomear deficiências intelectuais, motoras e mesmo transtornos emocionais, entre outros, indistintamente. Atualmente, as dificuldades de aprendizagem conduzem à designação de "crianças com necessidades especiais", grupo no qual se inserem crianças com deficiência mental, física, assim como crianças com dislexia. No caso da dislexia, a necessidade especial localiza-se na educação, embora não se possam desprezar as questões emocionais decorrentes de um transtorno que permeia a vida sócio-cultural do portador de dislexia, após seu ingresso na vida escolar.

Buscar identificar as origens das dificuldades de aprendizagem de uma criança deve ter como objetivo conhecê-la em suas especificidades o que possibilita escolher os modos mais indicados de intervenção. Por não ser considerada uma doença, não se trabalha no sentido de buscar uma "cura" para a dislexia, porém, a criança poderá se beneficiar dos amplos conhecimentos desenvolvidos nas áreas da Psicologia, da Fonoaudiologia, da Oftalmologia e da Psicopedagogia, como relevantes apoios no seu processo de desenvolvimento.

Com esse objetivo, se localizam propostas diversificadas de intervenção, dentre elas as de desenvolvimento da consciência fonológica (CAPOVILLA & CAPOVILLA, 2000); a utilização de lentes prismáticas (SAMPAIO, 2002); a informática como mediadora no processo de aprendizagem; os recursos oferecidos pelos procedimentos em Fonoaudiologia; os atendimentos desenvolvidos em Psicopedagogia - entre outros, sempre com o foco na especificidade de cada criança em particular.

Concluindo, apontamos para a necessidade de adoção de um procedimento voltado para a identificação da criança portadora de dislexia de evolução, com o propósito de buscar caminhos adequados para o atendimento de suas especificidades e não como uma rotulação por uma deficiência. A informação sobre as dificuldades específicas de aprendizagem, devido à dislexia, vai indicar possibilidades do desenvolvimento em múltiplas habilidades nos mais diversos campos da formação pessoal, apesar das dificuldades em leitura e escrita.



Bibliografia:

- AJURIAGUERRA, Julian de e outros. A dislexia em questão: dificuldades e fracassos na aprendizagem da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.

- CAPOVILLA, Alessandra G. Seabra & CAPOVILLA, Fernando César. Problemas de leitura e escrita: como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. São Paulo: Memnon, 2000.

- DOYLE, James. Dyslexia: an introductory guide. San Diego (CA): Singular Publishing, INC, 1996.

- ELLIS, Andrew. Escrita e dislexia: uma análise cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995

- FAGUNDES, Liliana Maria Rosa. O sentido da letra: leitura, dislexia, afetos e aprendizagem. Porto Alegre: Edita/Edições Est, 2002.

- FRANK, Robert. A vida secreta da criança com dislexia. São Paulo: M. Books do Brasil, 2003.

- GIACHETI, Célia Maria e CAPELLINI, Simone aparecida. Ditúrbio de Aprendizagem: avaliação e programas de remediação. In: Dislexia: cérebro, cognição e aprendizagem. São Paulo: Frôntis Editorial, 2000.

- IAK, Fátima Ali Zahra. Um estudo sobre os sentidos atribuídos ao aprender por pessoas com dislexia. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade São Marcos. São Paulo, 2004.

- SAMPAIO, Paulo R. S. e LIPARIZI, Karla F. Leitura e visão. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISLEXIA - Dislexia, cérebro cognição e aprendizagem. São Paulo: Frôntis, 2000.

- SÉRIE CADERNOS ABD - disponíveis: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISLEXIA - São Paulo: SP.

 

Fátima Ali Zahra Iak - Psicóloga, Mestre em Psicologia - Núcleo: Desenvolvimento Humano e Processo Ensino-Aprendizagem - Universidade São Marcos - São Paulo. Parceira do Ceaap como Terapeuta e Supervisora (Humanista - Abordagem Centrada na Pessoa) para o Atendimentos de Adolescentes e Adultos; Supervisora em Orientação Vocacional; Supervisora no Atendimento de Pacientes Disléxicos.

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